Monday, October 7, 2013

Wednesday, October 2, 2013

Velhas Relações

Aquela cadeira se tornou dura demais.
Me sento toda torta nela.
Arrumei uma forma de conseguir ficar nela, apoio o pé no móvel ao lado, curvo o corpo para a direita e respiro fundo.
Meu travesseiro já é idoso e perdeu a maciez. Nunca paguei tão caro na vida por um travesseiro e ele me deu pelo menos 8 anos diários de sono perfeito. Mas agora utilizo uma fronha debaixo dele para tentar manter a altura necessária para meu ombro, que também mudou com o tempo.
Meu carro é velho. Acho ele bom atualmente, porque nunca mais precisei do guincho. Mas tenho que controlar semanalmente o vazamento de água do radiador, óleo do motor e ar dos pneus. Tem também a entrada de água na lataria do porta malas nos dias de chuva e o mofo que parece se sentir bem em seu novo habitat.
Depois de ficar tantas vezes na rua e em estradas, fico feliz em só ter que controlar seus vazamentos semanais.  Começo a achar que ele está bom e que nenhum novo dono poderia reconhecer seu verdadeiro valor. Meu pai talvez.  
Bom, além disso a bateria descarrega também sem que nenhum elétrico descubra seus mistérios. Mas sim, esse é um problema mais antigo que foi resolvido de forma altamente criativa. 
Vivendo e aceitando tudo isso, a relação com ele é boa, é como uma velha amizade, com muitas historias e mistérios que nenhum motorista contemporâneo entenderia.
Aliás, as pessoas dos dias de hoje já não entendem muitas coisas. É só comprar outro produto, trocar as relações. Trabalhar mais, para poder ter mais. Afinal, ninguém quer ter uma cadeira dura, travesseiro baixo e carro temperamental.
Eu quero?
Não, não quero. Mas consigo ver valor nas relações antigas. Na dialética entre conforto e desconforto. Um mesmo objeto proporciona as duas coisas. É difícil se separar de antigas relações.
Aonde vai depois meu travesseiro, meu carro, minha cadeira?
Como jogar algo fora, se não existe fora?
Minha vida sem esses objetos será mais confortável, sem dúvida.
Será que me moldei tanto para encaixar neles que já não possuo mais tônus para levantar dessa cadeira, cama e carro?
Ou será que devo lutar para salvar nossa relação?
O corpo que fala é o corpo adaptado? 
Ou o corpo dos outros é que se moldou a novos valores?